A Pomba Voou

Fevereiro 2, 2011

E mudou-se para outro ninho.

Dia #36

Setembro 2, 2010

E, no meio do jogo, voltou aquele cheiro. A padaria pela manhã, o silêncio da serra, o fresco das horas matutinas, e o pão, os bolos. E o sorriso da senhora que todos os dias nos cortava uma generosa fatia do bolo de chocolate e nos contava da sua infância pela serra, dos costumes, da família, das brincadeiras. A simpatia. E ali, a meio do jogo de ténis, a caminho de uma bola perdida, no canto do campo, foi ali que me voltou o cheiro ao pão do dia e me levou de volta àquelas manhãs. A senhora dá os bons dias, esconde os olhos nas bochechas sorridentes, e oferece um jantar da próxima vez que lá formos. Boas memórias, dias felizes e uma coincidência bem-vinda.

Comigo: Never Ending Why – Placebo

Dia #35

Julho 25, 2010

O sol torra, mas a leveza dos dias impele ao passeio de fim de tarde. Lisboa chama-nos pelo som ao ar livre, num dos jardins da cidade. A companhia, que já se tornou a do costume, aconchega-se na sombra escassa, sobre as luas do lenço estendido. Deito-me sobre o colo cúmplice, o pé mantém o compasso do contrabaixo, e os olhos perdem-se. Há o rio, ao longe, há o castelo, no alto, há a serenidade  no céu azul. Sem uma nuvem. Sem um peso em cima. De mim.

Como o céu sobre nós um pouco depois, num dos topos da cidade, onde se petiscava o pôr-do-sol e se encerrava um fim-de-semana cheio. Há algo de novo e grandioso no ar. Há um começo. Hoje.

Comigo: Luz Vaga – Mesa

Dia #34

Julho 24, 2010

Mais uma vez, aquela voz associada ao estado de espírito. Livre. Leve. Feliz. Com todas as letras a que tem direito.

O sorriso que aquele petisco proporcionara, assim que o nariz o adivinhou atrás da porta, previu logo a disposição ao longo do resto da noite. Tudo se adiara para hoje. E tudo se cumpria.

Levaram-me ao lugar prometido. Fui mais de mim. Fui inteira. Estupefacta pela possibilidade, esqueci, como tanto precisava, a armadura pesada. E observei-a. Dançava comigo, com o seu sorriso de volta, o sorriso que sempre adivinhei por detrás da rigidez dos dias, adornado de espírito límpido e, por fim, completo. Revistei a restante companhia, tão presente, tão certa, tão insubstituível. O peito cresceu. Quem diria. De novo, eu. Maior.

E, no fim, aquela música, aquela voz. O regresso a casa fora de casa. Livre. Leve. Feliz. Com todas as letras a que tenho direito.

Comigo: Heads Will Roll – Yeah Yeah Yeahs

Dia #33

Julho 10, 2010

Quero-me de volta. O pé não pára, pendente no fundo da perna cruzada, enquanto a conversa flui. Os dedos emaranham-se por nós por experimentar e o riso traz alguma culpa à boa disposição. Há prioridades a serem pensadas e o corpo não quer escolher. Nula. Sou mais do que estas horas de olhos caídos sobre letras que adormecem. Sou mais do que este corpo comprimido que não se deixa ser. Pelo menos, por agora. Que há prioridades.

O cansaço começa a vingar.

Há. Que. Manter. O. Espírito. Positivo.

Comigo: Strange Fruit – Jeff Buckley

Extra #1

Junho 7, 2010

Aproxima-se uma época complicada. O tempo escasseia, a concentração exige-se para outro tipo de palavras. Quero muito manter este diário, mas há prioridades a ponderar, há muito trabalho pela frente que não pode ser posto de parte. Não deixarei de cá vir, contar os meus dias. Mas não serão, possivelmente, todos. Voltarei à ideia original assim que puder. Até lá… coragem para o que se aproxima.

São todos bem-vindos por aqui.

Dia #33

Maio 31, 2010

Afinal sabe mesmo bem. Sozinha no carro, regresso à rádio que me acompanhou há uns anos atrás, quando a conseguia sintonizar no quarto de manhã. Parece lembrar-se de mim e, para me receber bem de volta, presenteia-me com Aquela voz. Aumento o som, tinha saudades de o ouvir e nada melhor para conseguir ignorar o trânsito demasiado lento do centro de Lisboa.

Feel no shame for what you are

De cotovelo apoiado junto à janela, recostada no banco, canto o que ainda recordo da letra, ainda tenho muito disto dentro de mim. A janela entreaberta não deverá passar muito da minha voz, espero. Não importa.

Stand absolved behind your electric chair

dancing

O momento é meu. Só. Sabe bem.

Comigo: New Year’s Prayer – Jeff Buckley

Dia #32

Maio 30, 2010

As mudanças chegaram ao fim. Respira-se fundo e deixa-se o corpo parar atabalhoado sobre o sofá. Vamos celebrar com companhia.

Traz algo fofinho para decorar o quarto. O ponto final.

Sabe bem o momento de pausa no fim destes dias loucos. A conversa flui de novo e o sorriso regressa, calmamente. O convite aceite traz outra frescura à casa e aos espíritos cansados. O toque final traz um cheiro de paz e as cores que faltavam no espaço. Obrigada.

Vamos ao jardim, respirar fundo. O dia começa a sossegar, o calor aconchega e as famílias compõem o quadro de Domingo à tarde. As crianças correm à nossa volta e dão uso à energia que já não temos. Este momento importa. Refresca-nos. Talvez agora já estejamos prontas para regressar à semana dos dias úteis.

Comigo: Horse and I – Bat For Lashes

Dia #31

Maio 29, 2010

Há alturas em que deixam de haver palavras para descrever alguém. A estupefacção silencia-nos.

Não me recordo sequer de um sorriso. Ficou apenas o olhar inquiridor, o dedo imperativo, a voz autoritária e o humor ausente. A ajuda que veio prestar confunde-se com a imperiosidade em tomar o controlo. Critica sem saber do que fala. Exige sem pensar em mais ninguém. Questiona sem aceitar as razões. Levanta o tom de voz sem ouvir quem pouca razão tem para ouvir os seus comentários desproporcionados.

O dia foi de muito trabalho e este alguém não ajuda a um fim de dia descansado. As suas palavras árduas eliminam a réstia de força que ficara das longas horas. Vamos dormir, em breve será apenas, de novo, alguém longe e impotente.

Comigo: Aping Friends – Millionaire

Dia #30

Maio 28, 2010

Os preconceitos estão tão encravados em nós que nos surpreendem. À nossa frente seguia um camião do lixo e algo fez com que acordasse da meditação em que me encontrava. Algo não batia certo. Fora, possivelmente, o cabelo comprido de quem se segurava na traseira do camião que seguia ou, quem sabe, as formas femininas que se faziam adivinhar por entre o fato do costume. Não esperava uma mulher ali. Era uma profissão de homem e não era suposto ela estar ali. Mas as quebras de preconceitos animam-me, dão cor e sorrio.

O carro onde sigo ultrapassa o camião. Durante a manobra, observo-a, procurando ver-lhe a face feminina a contrastar com a profissão suja. De repente, vira a cara e vejo-a. De fronte fechada, equilibra um cigarro no canto esquerdo da boca. E, aquele ar másculo de fumar, parece relembrar à minha fantasia poética a razão de ser de certos preconceitos.

Comigo: A Forest – The Cure